Por Magda Marques
Eles não têm medo da prisão e nem da morte, uma geração de delinquentes que desafia a polícia. Estas gangues, ou chamados “bondes”, deixam sua marca rabiscada nos muros da capital. Enxame, adideiros, tiranos, perversos, em torno de 120 bondes se concentram nas zonas norte, leste e sul da cidade. Vestem-se com roupas de marcas famosas, usam tênis e boné da moda. Há os que se identificam pelas correntes e braceletes de prata. Para humilhar os adversários, agridem e levam seus pertences como troféu. A rebeldia, drogadição, más companhias e fugas de casa são os primeiros sinais de quem está envolvido com estes grupos. No começo praticam vandalismo e lesão corporal, sem perceber acabam cometendo crimes mais graves como o homicídio. Geralmente são meninos, estudantes, entre 13 e 17 anos, de vários extratos sociais. A principal motivação dos bondes para ações violentas é mostrar poder e demarcar território.
Na internet se exibem em fotos nas páginas do Orkut, site de relacionamento no qual marcam encontros para cometer algum delito em pontos da cidade com grande fluxo de pessoas. O termo bonde é uma gíria originária do meio penitenciário que designa o veículo para a transferência de presos. Cada grupo concentra em média 50 integrantes. Atualmente há vários tipos, os mais violentos são os que combinam arrastões, tráfico de drogas e mortes. Os menos violentos, que são a maioria, cometem furtos, agressões físicas e pichações. A droga mais comum entre eles ainda é a maconha, mas aumentou muito o consumo de crack nos últimos anos. Tem adolescente que fuma 40 “pedras” por dia. Sustentar o vício custa caro, a saída encontrada é roubar. Muitas vezes, aliciados por traficantes, ingressam no crime organizado.
Foto ilustrativa
“A família não está cumprindo o seu papel social de zelar, educar e dar limites aos filhos. Quando você leva ao conhecimento dos pais o comportamento do filho eles não tinham a mínima noção do que ele fazia quando se agrupava com seus amigos. Também tem pais coniventes, que passam a mão na cabeça”, diz o delegado do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), Christian Nedel. Os pais, às vezes, não querem se envolver, são omissos e transferem a responsabilidade para as instituições de ensino, que não têm condições de absorver essa demanda. A diretora da Escola estadual Costa e Silva, de Porto Alegre, Maria Inês Vasconcellos, explica que os alunos gazeiam aula e não se comprometem com o estudo. A escola hoje serve como um ponto de encontro para a combinação de delitos. “Eu já fui ameaçada de morte e muitos professores são agredidos nas salas de aula. Bondes rivais se encontram aqui dentro e entram em confronto. Desconfiamos que alunos vêm armados e até já senti cheiro de maconha no corredor, mas ainda não conseguimos pegar ninguém.”
Em casos pontuais, as meninas na gangue são usadas para levar drogas e armas para dentro da escola, por aparentemente não emitirem suspeita, agem livremente repassando a outro adolescente. Em junho de 2007, Luís Paulo Train, 19 anos, morreu baleado no peito após uma briga numa festa junina na Escola Técnica Parobé. O atirador tinha 16 anos, junto com a namorada de 14, que escondeu a arma. Eles integravam o bonde dos Sopas. Outro assassinato ocorreu em dezembro passado. Um menino de 16 anos atirou quatro vezes contra o jovem Rafael Pandolfo, 18 anos, numa praça ao lado de um shopping. A suspeita é de que os garotos integrassem o mesmo bonde. As administradoras de shoppings já estão tomando medidas para evitar arrastões. No Praia de Belas e no Barra Shopping Sul, a entrada de adolescentes é observada. “Têm seguranças que não permitem que fique um agrupamento de três ou quatro adolescentes numa atitude suspeita”, ressalta o Delegado.
Foto: Rapper Dogg
Jovens complexados e inseguros, com baixa autoestima, sentindo-se humilhados e inferiores são acolhidos pelo crime organizado. “Está na moda ser violento, ter arma, estar com um bom tênis, estar bem vestido, chamar a atenção no meio do grupo em que convive, isso motiva que eles criem uma fantasia, de que ser uma pessoa violenta, um criminoso, vai chamar a atenção das garotinhas, e ele vai ter dinheiro, um bom carro, nem que seja por algum tempo, e assim vai se tornar uma liderança”, diz o músico Rapper Dogg, ex-presidiário regenerado. O tráfico de drogas é a atividade que mais emprega delinquentes. “Existe garotos que já cometeram mais de nove homicídios, alguns deles têm pontos de droga e financiam o crime organizado para a compra de armas”, afirma Dogg. O músico, hoje com 39 anos, passou a maior parte de sua vida cometendo crimes e reincidindo no sistema prisional. Sua luta é para que as autoridades ajudem na recuperação de jovens criminosos e usuários de drogas.
Entre eles, é comum ouvir dizer que o crime leva a três “Cs”: cadeia, cemitério e cadeira de rodas. Mesmo assim, seguem na contravenção porque acreditam que não têm mais nada a perder indo até as últimas consequências. Jovens que não apresentam transtornos de personalidade sentem culpa e arrependimento, esses ainda têm chance de recuperação. Rapper Dogg é enfático quanto aos bondes mais violentos. “Esta juventude está cansada de ser invisível, quer aparecer nem que seja através da violência. Que chore a mãe da vítima do que a mãe deles. Eles querem ser vistos, cansaram de serem oprimidos, é uma juventude que não quer se calar, uma juventude disposta a pagar com seu próprio sangue para sair do anonimato. Quando veem a polícia, se tiver que matar, eles matam.” O Rapper está finalizando um documentário chamado “Bondes ou Gangues."
Foto: Daniel Oliveira
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